segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Theodor Adorno: Paysage

"Paysage - A deficiência da paisagem norte-americana não é tanto, como quer a ilusão romântica, a ausência de recordações históricas: é que nela a mão não deixou rastros. Isso se refere não apenas à ausência de campos lavrados, aos bosques descuidados e amiúde baixos como arbustos, mas sobretudo às estradas. Estas sãos sempre dinamitadas sem mais na paisagem e quanto mais lisas e largas são tanto mais seu traçado luzidio se destaca de modo isolado e agressivo do entorno coberto por vegetação demasiado selvagem. Elas não trazem expressão. Da mesma forma como não conhecem pistas para pedestres e ciclistas nem caminhos suaves ao longo de suas margens como transição para a vegetação, nem sendas laterais rumo ao vale, também prescindem da presença branda, calmante, não angulosa de coisas nas quais mãos ou suas ferramentas indispensáveis fizeram a sua parte. É como se ninguém tivesse passado a mão pelos cabelos da paisagem. Ela é inconsolada e inconsolável. Disso deriva o modo da sua percepção. Pois o que o olhar apressado só viu quando no carro ele não pode reter e desaparece sem deixar traços, assim como seus próprios traços o deixam.
Theodor W. Adorno, 1944 (Minima moralia, Tradução Gabriel Cohn, Beco do Azougue Editorial, 2008).
Foto: © Dorothea Lange (estrada para o Oeste, Novo México, 1938)

Um comentário:

experiência e crítica disse...

...assim como outras tantas paisagens que circundam nosso cotidiano...