sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Uma cultura fotográfica

"Ao longo de sua história, a fotografia nunca deixou de provocar polêmicas sobre sua natureza imagética, seus usos e funções, sua mestiçagem com outras linguagens e formas de expressão. Mas, se do século XIX ao XX, as mutações da cultura fotográfica têm sido sempre complexas e problemáticas, é exatamente isto que lhe dá vida e sentido. Um exemplo destas polêmicas refere-se aos procedimentos de manipulação da imagem obtida com uma câmera fotográfica, prática tão antiga quanto a ilusão de ser a fotografia uma reprodução fiel da realidade, desprovida de subjetividade humana. Realizados manualmente ou por artifícios mecânicos e fotoquímicos, a coloração manual, o retoque, a estereoscopia, a colagem, a fotomontagem ou a múltipla exposição de um mesmo negativo são alguns exemplos dos inúmeros procedimentos de manipulação historicamente associados à fotografia, procedimentos esses ditados em grande parte por motivações estéticas. Hoje, contudo, a alteração da imagem fotográfica com o uso de tecnologia digital, além de responder a novos anseios artísticos, tem sido utilizada também no âmbito da informação jornalística, mas e muitos casos com tamanha dissimulação que a questão não pode escapar de uma reflexão ética, senão sobre os limites dessa manipulação, ao menos sobre a sua necessária explicitação. Assim como no século XIX os fotógrafos valorizavam suas fotos estampando os dizeres "fotografia sem retoque", "fotografia d'après nature", etc., em breve só estaremos convecidos da natureza da informação contida em uma imagem fotográfica se ela vier acrescida da mensagem "fotografia sem manipulação digital" ou, quem sabe, "fotografia desplugada" (como sugere o fotógrafo carioca Renan Cepeda)."
Maria Inez Turazzi (Revista do Patrimônio, nº 27, 1998).
Foto: © Peter Marlow / Magnum Photos

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