

"Quase quarenta anos depois, já vivendo no Brasil como fotógrafa engajada na questão indígena, acompanhei alguns médicos em expedições de socorro na área da saúde. A partir de 1973, durante os anos do “milagre brasileiro”, o território Yanomami na Amazônia brasileira foi invadido com a abertura de uma estrada. Com a mineração, a procura de ouro, diamantes, cassiterita, garimpos clandestinos, e não tão clandestinos, floresceram. Muitos índios foram vitimados, marcados por esses tempos negros.
Nosso modesto grupo de salvação — apenas dois médicos e eu — embrenhou-se na selva amazônica. O intuito era começar a organizar o trabalho na área da saúde. Uma de minhas atividades era fazer o registro, em fichas, das comunidades Yanomami. Para isso, pendurávamos uma placa com número no pescoço de cada índio: “vacinado”. Foi uma tentativa de salvação. Criamos uma nova identidade para eles, sem dúvida, um sistema alheio a sua cultura.
São as circunstâncias desse trabalho que pretendo mostrar por meio destas imagens feitas na época. Não se trata de justificar a marca colocada em seu peito, mas de explicitar que ela se refere a um terreno sensível, ambíguo, que pode suscitar constrangimento e dor. (...)
É esse sentimento ambíguo que me leva, sessenta anos mais tarde, a transformar o simples registro dos Yanomami na condição de “gente” — marcada para viver — em obra que questiona o método de rotular seres para fins diversos.
Vejo hoje esse trabalho, esforço objetivo de ordenar e identificar uma população sob risco de extinção, como algo na fronteira de uma obra conceitual."
Claudia Andujar, Marcados. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
Fotos: © Claudia Andujar (índios Yanomami, entre 1981 e 1983).
Texto e fotos gentilmente cedidos. Todos os direitos reservados a Claudia Andujar e Cosac Naify.
Link: "A ética e a estética de Claudia Andujar".
3 comentários:
Não conhecia esta fotógrafa, mas depois de ler o seu testemunho fiquei siderada. Obrigada pela partilha.
Beijo
Digo o mesmo
Não conhecia esta fotógrafa, mas depois de ler o seu testemunho fiquei siderada. Obrigada pela partilha.
beijo
Que legal, isso faz valer a pena ter um blog.
Claudia Andujar se identifica com essas pessoas, os Yanomami. É quase impossível não reconhecer isso em sua obra.
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