Verão de 1958, fim de tarde, em um trecho da estrada do deserto de Mojave, na Califórnia, Art Kane (1925-1995) fotografou Louis Armstrong (1901-1971) sentado numa antiga cadeira de balanço. O músico tocava "Old rocking chair", a canção que originou a composição da foto. "Não, Louis", disse Kane. "Coloque o trompete para baixo". Sua explicação: Kane estava cansado de ver fotos de Armstrong com o suor no rosto e com as bochechas infladas. "Tudo bem, homem", disse Louis. "Você é o artista". Alguns dias depois, Kane teve a ideia de fotografar a sepultura de Charlie Parker (1920-1955) e uma caixa do seu instrumento vazia, sugerindo que o espírito de Parker levara o sax para o céu. No pequeno cemitério, próximo do Estado do Kansas, um coveiro responde a pergunta de Kane: "Nunca ouvi falar. Procure ao seu redor". Kane acabou tropeçando na lápide e logo percebeu que as dimensões da pedra eram idênticas as da maleta. "De repente eu estava ali sozinho, e todo arrepiado". Para fotografar Lester Young (1909-1959), uma figura amarga, Kane retratou o saxofonista em um espelho com sua imagem distorcida, captando a ambiguidade da situação para afetar o resultado da foto. Mas com Frank Zappa (1940-1993) e os Mothers of Invention, o fotógrafo se deparou com um problema inteiramente diferente. A música sarcástica de Zappa na interpretação de Art Kane: "Quero fazer retratos de cada um de vocês com uma expressão de raiva, gritando, em seguida, vou ampliar em formato de pôster, fixá-los em frente à Casa Branca e fotografar os cartazes junto de manifestações exigindo o fim da guerra do Vietnã". A reação de Zappa: "Cara, essa foi a pior ideia que já ouvi em toda a minha vida". O fotógrafo, então, reuniu os músicos e crianças. A mensagem: paz e amor. Art Kane recusou sistematicamente engajar-se em qualquer polêmica a respeito do seu trabalho, exercendo profunda influência sobre os jovens fotógrafos.
Acho interessantes essas breves histórias, vou ao encontro delas como se entrasse em uma conversa.
Fotos: © Art Kane (Frank Zappa, Life, 1968 / Aretha Franklin, Esquire, 1967)
(John Poppy, Art Kane, The persuasive image: How a portraitist and story teller illuminates our changing culture, Alskog Book, 1975).Link: (http://artkane.com/).
4 comentários:
Eu acho que essas "pequenas" grandes histórias que estão por detraz das fotos são não só maravilhosas como também alavancas que potenciam e muito o valor e importância das fotos.
Hoje, com toda a tecnologia disponivel, fazer uma foto é fácil, mas fazer fotografia é mais complicado porque implica estas pequenas histórias e não apenas premir o botão e deixar que a máquina faça tudo o resto.
ah... e mais uma vez, parabéns pelo seu magnífico blog :)
Muito obrigada, Nuno.
Eu acredito que nosso senso de conhecimento histórico tenha sido transformado pela fotografia. Então, saber alguma coisa, e tendo como referência as suas próprias experiências, isso realmente nos coloca uma grande responsabilidade diante de cada fotógrafo.
Los artistas tienen su propio dialogo, me encantan tus relatos,
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