Em seu trabalho, o que é mais importante?
Rodrigo Alfaro: Acredito que a maior importância do meu trabalho, excluindo a técnica ou a qualidade da fotografia, diz respeito a como vou enfrentar as situações. Entender o que pensam e sentem as pessoas que fotografo, e saber o que acontece com as fotografias pelas pessoas que as observam.
Sei que dificilmente uma situação injusta de todo um país vá mudar porque realizei um trabalho, não sou tão importante, mas também sei que se alguém vê minhas fotos e se comove por isso, pode ser que sua forma de interpretar essas situações mude, que essa pessoa mude seu modo de atuar e, portanto, que meu trabalho tenha uma pequena incidência de realidade. Ainda que, certamente, o maior potencial do meu trabalho está radicado no futuro, nos que surgirão e deverão se ocupar cada um em seu lugar, para que não permitam que injustiças semelhantes continuem acontecendo.
Meu trabalho é uma pequena parte dentro de muitas vozes que clamam por justiça. Trata-se, também, de fazer o possível para contar histórias caladas ou omitidas pelos grandes meios de comunicação.
Como você alia emoção e razão?
RA: Nesse sentido, tenho um grande professor. James Nachtwey falou de “canalizar emoções através da câmera”, não sei se havia aprendido por completo, mas quando uma situação me supera, consigo me abstrair e falar com a minha câmera. Tudo o que vivi no Paraguai, em cada hospital e em cada bairro diferente, me pareceu comovente e emocionante. Eu senti uma grande responsabilidade porque, em todos os lugares, as pessoas me abriram portas e confiaram em mim para que retratasse o que acontecia com elas. Pensava que deveria fazer um grande trabalho, já que as pessoas em situações tão complicadas me aceitavam. Fiz um grande esforço emocional para conseguir juntar meus sentimentos com um modo de mostrar os acontecimentos em imagens.
Qual foi o momento mais difícil?
RA: O princípio. Depois de um mês, passando 15 horas por dia lendo e vivendo notícias relacionadas com a saúde de mães e filhos no Paraguai, cheguei em Assunção numa segunda-feira, às 9h da manhã, e às 11h estava vestido de cirurgião, assistindo a desnecessária morte de um bebê, e vendo como mandavam sua mãe a outro hospital, sem chances de salvar sua vida. Eu sabia de antemão o que iria enfrentar, mas tudo aquilo me pareceu ridículo, pessoas morrendo pela falta de exames simples ou, nesse caso, por não tomarem remédios corriqueiros e de baixo custo para a pressão. Durante a semana, entendi que aquilo tudo me afetaria. De qualquer maneira, eu só tinha 23 anos e uma câmera fotográfica, e me lembrei da história de “canalizar as emoções através da câmera”. Comecei a sentir que aquilo funcionava bem, e quando colocado em prática, encontrava rapidamente um modo de evitar qualquer obstáculo. Estava certo de que meu trabalho ali causaria algo de bom, senti confiança e responsabilidade, e estou satisfeito com o resultado.
Tudo ia bem até eu adoecer no Hospital de Boquerón, e terminar numa das camas que fotografei (foto 7 da reportagem completa). Esse foi outro momento ruim. Eu pensava em continuar o trabalho pela Bolívia, e planejava chegar logo ao Peru, mas de repente me vi encalhado nesse lugar, numa situação similar a das pessoas que havia fotografado dias antes, sem saber o que eu tinha. Depois de três dias, uma ambulância surgiu, me levaram até Assunção e lá quiseram me internar numa clínica. Fugi do hospital ao aeroporto e voltei para a Argentina.
A reportagem foi amplamente divulgada, um reconhecimento e referência legítima de uma denúncia. Como foi essa experiência?
RA: Um mês e meio depois, estava recuperado, pensava que meu trabalho não era bom, que estava incompleto. Eu o imaginara como parte de algo muito maior, e ver o que havia fotografado não me satisfazia. Também tentei publicar o trabalho, para que não caísse no esquecimento, mas os 40 veículos que contatei não respondiam meus emails nem telefonemas. Levei vários meses até conseguir a primeira publicação - depois de ser um dos ganhadores da bolsa de estudos Ian Parry – e justamente no Spectrum, do The Sunday Times. Daí em diante surgiram muitas publicações importantes, prêmios e exposições que me deram grande satisfação em saber que tudo o que enfrentei no Paraguai não foi em vão, e essas histórias foram contadas.
Acho que o maior ensinamento é que se você tem algo bom para mostrar, é inevitável que as fotos acharão seu caminho e chegarão onde devem chegar.
Fotos: © Rodrigo Alfaro
(Tradução Antônio Tibau)
Fotografias gentilmente cedidas. Todos os direitos reservados a Rodrigo Alfaro.
4 comentários:
a fotografia é (deve ser) muito mais que vibração estética. aqui está um exemplo. vibração estética. aqui está um exemplo.
Alfaro fez uma excelente reportagem. Você visitou o site do fotógrafo? O relato de cada fotografia é impressionante.
Strong photos
Håvard
Velkommen, Håvard.
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