- Lembro-me de muita coisa - disse Juan. - Na praça da minha cidade havia escrivães públicos que faziam todo o serviço para a gente que não sabia ler nem escrever. Eram bons homens. Tinham que ser. A gente do campo saberia caso eles não fossem. Sabe muita coisa essa gente das colinas. E me lembro de que, numa manhã, quando eu era criança, estava sentado num banco. Havia uma festa na cidade em louvor a um santo. A igreja estava cheia de flores. Havia barracas de doce, uma roda gigante e um pequeno carrossel. Durante toda a noite soltaram rojões em honra ao santo. Um índio chegou a um escrivão no jardim e disse: "Quero que o senhor escreva uma carta para o meu patrão. Eu lhe direi o que deve escrever e o senhor o porá numa forma agradável e bonita, de modo que ele não fique me considerando descortês." "É uma carta comprida?", o homem quis saber. "não sei", respondeu o índio. "Então vai custar um peso", disse o homem. O indiozinho pagou e principiou: "Quero que o senhor diga ao meu patrão que não posso mais voltar para minha cidade e meus campos, porque vi grande beleza e devo ficar aqui. (...) Estou diferente e meus amigos não me reconheceriam. (...) Vi as estrelas. Diga-lhe isto. Diga-lhe que dê minha cadeira para meu irmão amigo e o porco e os dois porquinhos para a velha que me cuidou, quando tive febre." (...) Juan fez uma pausa. Viu que os lábios de Mildred estavam um pouco abertos e percebeu que ela estava encarando a história como uma alegoria que lhe dissesse respeito.
- Que acontecera com ele? - indagou ela.
- Ele vira o carrossel.
John Steinbeck, The Wayward bus (Décio Pignatari, Poesia, pois é, poesia, Editora Brasiliense, 1986).
"Por favor, de uma saudade na memória de um fotógrafo, não faça um historiador." German Lorca, Fotografia como memória, 2006.
Foto: © German Lorca
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