"A inversão de história em espetáculo (...), por exemplo, nos casos em que casamentos, saques, revoluções ou suicídios são feitos em função da presença de câmeras. Isto é a "pós-história" no significado exato do termo. Os atos não mais se dirigem contra o mundo a fim de modificá-lo, mas sim contra a imagem, a fim de programar o receptor da imagem. Isto é o fim da história, porque a rigor nada mais acontece, porque tudo é doravante espetáculo eternamente repetível. A reta da história se transforma no círculo do eterno retorno. As imagens passam a ser as barragens que acumulam eventos a fim de recordá-los em obstáculos repetitivos, isto é, em programas. Não estamos mais mergulhados na correnteza histórica, mas sim nos quedamos sentados, solitários, face às imagens que nos mostram programas; tais programas estranhamente nos entusiasmam, em vez de nos causar tédio insuportável. (...) Desde já a nossa cobiça de sensações (queremos imagens novas toda noite) sugere que o tédio começa a se manifestar, e que o próprio progresso precipitado se vai tornando tedioso.
A circulação entre imagem e homem que ameaça cair em entropia, tal inversão do nosso estar-no-mundo em estar-face-à-imagem."
Vilém Flusser (O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade; Revisão técnica Gustavo Bernardo. São Paulo: Annablume, 2010, p.59 e 62).
Foto: © Clemens Kalischer (Nova York, 1947)
Texto gentilmente cedido. Todos os direitos reservados a Annablume Editora.
3 comentários:
ótimo!
O problema desse entendimento é o de que esquecer a historicidade mesma do espetáculo... é uma história romântica -- típica do romantismo europeu de certa altura do século XIX -- pela qual Flusser tanto lamenta. Na minha opinião, o "estar-no-mundo" SEMPRE foi um "estar-face-à-imagem", no sentido de sempre as pessoas existem PARA as outras, para o juízo estético delas... Mas, enfim, é uma looooonga discussão ;)
PS: não esqueci de que lhe devo uma conversa que vc iniciou comigo por email... março foi um mês muito agitado, mas agora estou mais tranquilo. Em breve te dou notícias. Abraços!
Olá, Giuliano
Noturno citadino é genial!
Olá, joão
Sem dúvida, uma longa discussão. A leitura e interpretação da obra de Flusser não é nada fácil. Principalmente, no que você se refere "o juízo estético das fotografias", se pensarmos na sua distribuição a todos os indivíduos indistintamente e da mesma forma. Acompanhamos o universo através das imagens, é claro, mas Flusser debate àquilo que não pode ser ignorado, ou seja, vivenciamos as imagens respondendo às imagens e não ao mundo que está lá fora.
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