Em uma carta a Lygia Clark, a fisiologia da visão que o artista Hélio Oiticica tem das coisas, e a concepção que ele faz delas: "Outra coisa louca que vi ontem: a rainha Elizabeth da Inglaterra passou a poucos metros de mim, na rua, num enorme carrão Rolls Royce, pintada feito uma vedete ou miss: batom carmim, a cara branca carnuda, pareceu-me sabe o quê?, a grande bicheira desfilando de carrão, como se estivesse dizendo: 'eu é que sou a boa, ouviu, seus merdas', pois a malandragem dela é bem como a de um bicheiro: viver bem, ser admirado, e diante deles todo mundo é otário. Fiquei gostando da rainha: é como a miss, a vedete etc... Velhas corocas, crianças, mães, todo mundo corria loucamente, excitadíssimas para ver a supermãe, 'a mulher', que passava. Verdadeira loucura coletiva. O pessoal da Mangueira desfilou para ela na Embaixada, e devem ter-se sentido realizadíssimos, pois se vestem todo ano de nobres, mesmo de reis e rainhas, e de repente aparece 'a rainha', imagine só que análise grupal genial! Isso é que é bacana hoje: a rainha, Chacrinha, Elizabeth Taylor, todo mundo é a mesma coisa, como se num gigantesco teatro onde tudo acontece: o consumo-teatro ou a própria geleia geral (atenção; este termo foi criado pelo Décio Pignatari, e é muito bom, não acha?)."
Hélio Oiticica, 1968 (FUNARTE. Instituto Nacional de Artes Plásticas. Lygia Clark e Hélio Oiticica; Sala especial do 9º Salão Nacional de Artes Plásticas, Rio de Janeiro, 1986).
Em 1978, fotografado por Aníbal Philot, Cartola desfilando pela Mangueira, no Rio de Janeiro: depois de anos de ostracismo, o compositor de samba volta a ser cultuado como um rei.
Fotos: © Ian Berry / Magnum Photos (Londres, 1977) e © Aníbal Philot / Agência O Globo
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